quinta-feira, 19 de março de 2009

Cem anos de Carmen Teixeira

Haroldo Lima*

A Bahia de 1950 protagonizou um espetáculo marcante no âmbito educacional - a inauguração da primeira experiência de educação primária integral da América Latina, o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, CECR, conhecido como a Escola Parque. A extraordinária realização liga-se ao nome do educador que a inspirou e deu-lhe existência, Anísio Teixeira. A direção administrativa e pedagógica daquele portento liga-se à figura da educadora cujo centenário de nascimento transcorre agora, a 19 de março de 2009, Carmen Teixeira.
Carmen Spínola Teixeira era irmã de Anísio e, como ele, nascida em Caetité, na tradicional família do Dr. Deocleciano Pires Teixeira, chefe político de influência estadual. Foi a primeira diretora do CECR, a que implantou, com apoio em equipe de alto nível, e em todos os detalhes, o projeto escolar anisiano, de magnitude e complexidade até então desconhecidas. Carmen Teixeira dirigiu o Centro por 25 anos. E se esse Centro era, na sua concepção básica, expressão do audacioso pensamento educacional do seu idealizador Anísio Teixeira, era também, na vibração cotidiana das primeiras décadas de sua vida, produto da competência, energia e total dedicação características da personalidade de Carmen Teixeira. Porque não era fácil por em ação aquele projeto.
O Centro foi programado para funcionar com 4.000 alunos, oriundos de três bairros dos mais pobres de Salvador naquele tempo – Caixa dÁgua, Pau Miúdo e Pero Vaz. Os estudantes ficavam o dia inteiro no Centro, revezando-se entre quatro Escolas-Classe e uma Escola-Parque. Os meninos e meninas tinham contacto, nas Escolas-Classe, com as matérias teóricas, de ciências e humanidades; na Escola-Parque aprendiam variados ofícios, industriais e comerciais, e mais, arte, dança, teatro, desenho, escultura, esporte, música etc. Operavam em vastos pavilhões, em concha-acústica, em biblioteca, em quadras esportivas, campo de futebol. O almoço era servido em moderno refeitório, o pão, para o alunato de 4.000, vinha da padaria da escola, onde os alunos aprendiam praticando, e os professores eram padeiros profissionais tecnicamente preparados para ensinar, e moradores dos bairros adjacentes. As fardas, os uniformes dos estudantes, eram cortados e costurados aos milhares, pelas alfaiatarias do Centro, onde alunos e professores interagiam-se. A prática da agricultura, nas dependências da escola, sob orientação técnica especializada, abastecia de produtos agrícolas a demanda da cozinha. Na atividade de socialização, eram organizados grêmio, jornal, rádio-escola, agência bancária, loja comercial.
A Escola Parque beneficiou-se da importante sinergia que Anísio Teixeira desencadeou e Carmen Teixeira conseguiu manter com a intelectualidade baiana. Esta, orgulhava-se daquele Centro Popular de Educação e a ele comparecia com professores dos diversos ramos de atividade lá professados. Os professores recebiam treinamentos no próprio Centro, em outros estados brasileiros, e até em outros países. Um método de alfabetização, criado por Iracema Meireles, lá foi experimentado e aperfeiçoado. Pelos resultados excelentes que propiciou, foi divulgado em outros lugares, através de cartilha impressa por determinação de Anísio, com o título pelo qual o próprio método passou a ser conhecido, “A Casinha Feliz”. Desde sua construção, com projeto de Paulo Assis Ribeiro e Diógenes Rebouças, os artistas participavam da Escola Parque, alguns deles, a pedido de Anísio, lá deixaram painéis monumentais, como Mário Cravo Júnior, Caribé, Jenner Augusto, Maria Célia e Carlos Magano.
Carmen Teixeira coordenava esse impressionante projeto com invulgar esmero, que conseguia transmitir à sua equipe de trabalho. Tudo funcionava à hora, em clima de entusiasmo e responsabilidade. Nos finais dos anos letivos, trabalhos dos estudantes eram apresentados, em exposições que causavam admiração pela qualidade e quantidade. Visitantes acorriam até do exterior.
Em outro setor de atividade, Carmen Teixeira foi convocada e também contribuiu com os planos do irmão. Em 1951, Ernesto Simões Filho assumira o então Ministério de Educação e Saúde. Convidou Anísio Teixeira para implantar, como Secretário-Geral, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, a CAPES, idealizada por Rômulo Almeida. Anísio aceitou. Pouco depois fundou o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais e em seguida o multiplicou por diversos outros Centros Regionais. Para cada um desses centros regionais escolheu, com apuro, pessoas que sabia terem capacidade para desenvolver o trabalho com denodo. Em Pernambuco foi buscar Gilberto Freire. Em São Paulo, Fernando de Azevedo. Em Belo Horizonte, Abgar Renault. E na Bahia, Luis Ribeiro de Sena, Carmen Teixeira, Luís Henrique Dias Tavares e Hildérico Pinheiro de Oliveira. Que grande trabalho desenvolveram.
Em Caetité, cidade natal de Carmen Teixeira, na casa em que ela nasceu, atualmente Casa Anísio Teixeira, o centenário da D. Carmen está sendo celebrado com o lançamento de um livro sobre a mesma, escrito por Zélia Bastos, educadora que participou com Carmen Teixeira da etapa áurea da Escola Parque. Zélia, como outros, descreve a Escola Parque como uma universidade da criança. Carmen Teixeira era sua Reitora.

*Haroldo Lima é Diretor-Geral da Agência Nacional do Petróleo,
caetiteense e sobrinho de Carmen Teixeira.










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